Não! Não chamo o Ano de novo, de novo. Não quero outra vez
recomeçar do nada. Cansei de me reinventar igual, de me boicotar como sempre,
de morrer aos poucos. Essa brincadeira de ser fênix cansou. Será que esse
cansaço passa?
Pudesse definir, ditaria que o tempo passasse sem conta.
Mas
sei que isso é faz-de-conta! O meu tempo, faz tempo, já sabe contar e conta
veloz, cada vez mais.
O que espero do Ano que vem? Apenas que ele venha. Eu o
aguardo como se aguarda a visita de um amigo que certa vez disse, assim meio
sem querer descuidado, que qualquer dia passará em casa para um café.
Não
deixarei o bolo assando no forno, nem a água fervendo para o Ano que dizem vai
chegar.
Quando vier, se eu estiver, será recebido sem cerimônia, sem
falsa polidez. Talvez até lhe diga um palavrão carinhoso, exclamativo e
acolhedor. Será aceito com sorriso e abraço, assim, singular.
Não faço do Ano, que você insiste em chamar de novo, um
amante. Não lhe farei falsas e impossíveis promessas, nem tentarei nele
satisfazer meus desejos ocultos (ocultos até de mim).
Então, entenda! Não quero que o próximo Ano seja o
responsável pelas minhas
mudanças, ou pela minha sorte. Sou o senhor, o
causador, o artista, o diretor, o promotor, o público, a vaia, o aplauso, o
sonhador, o desastre, o motivador, o traidor, o empecilho,
o sol, a terra, a
água, a raiz, o caule, o rabo, o gato, a rosa e o espinho do meu destino.
Ano outro, que não este (que não foi lá muito meu camarada),
se vier, se for amigo, se quiser vinho, venha, venha sem compromisso. Venha que
eu nasci na Penha!
Com 20 anos não somos mais crianças, não somos velhos, não
somos adultos, não somos ainda os culpados, não somos mais inocentes. Não somos
nada!
Não somos nada e isso nos permite ser tudo. Alguém já deve
ter dito que “não ser” significa que estamos abertos para todas as
possibilidades. Já pensou nisso? Isso é incrível (como diria Antônio, meu
personagem na peça Nas Asas do Tempo).
Nos meus 20 anos o mundo estava nas minhas mãos.
Dia 24 de dezembro de 1997, 16:55, com 1910 gramas (ano de
fundação do Corinthians), nascia um garoto prematuro, ainda sem nome, todo
peludo e com toquinha (não sei se ele já nasceu com aquela toquinha ou
colocaram depois). Meu filho!
A luta pela sobrevivência dele adiou a decisão do nome. Uma
enfermeira me pressionou dizendo assim: Pai, a gente precisa chamar ele por um
nome. Qual será o nome dele?
Qual será o nome dele? Era para nascer em 11 de março,
nasceu em dezembro...
Apenas eu e ele. As enfermeiras cuidando das outras
isoletes. Olhe para seus olhos e perguntei:
- Cara, preciso te registrar. Qual é o seu nome?
Ele me olhou de forma séria e carinhosa e respondeu:
- Pai, meu nome é Tiago!
Foram suas primeiras palavras, e as únicas durante alguns
anos.
Com exceção feita a mim, mais ninguém acredita nessa
história (nem o próprio Tiago).
Depois dele ter dito seu nome e eu o ter registrado, fui
pesquisar o significado. Tiago, o protegido por Deus.
E como ele precisou de proteção naqueles primeiros momentos
de vida. Foi para casa apenas 28 dias depois.
Até para encorajá-lo (sempre acredito na força das palavras)
desde pequenino eu o chamo de Grandão. “O Tiagão ão ão, é bonitão ão ão” , fiz essa
musiquinha no aumentativo para que ele entendesse que precisava crescer forte.
E ele cresceu.
O Tiago, se você não o conhece precisa conhecê-lo, é essa
pessoa determinada, incansável, honesto, inteligente (aprendeu a ler antes de entrar na
escolinha), antenado, artístico (cheio de talentos), amável, amigo,
compreensivo, apaixonante... e tantas outras qualidades mais.
Meu filho, aproveite esses seus 20 anos que se iniciam hoje.
É, provavelmente, uma das melhores idades para se viver. Seja responsável, mas
nem tanto. Seja sério, mas não muito. Seja coerente, mas não em excesso. Seja e
siga possibilidades. Seja fé e trabalho. Seja canto e som. Seja ator e tablado.
Seja amigo e amor. Seja! Seja! Seja!
20 anos é a nossa idade de ser: Seja!
Parabéns! Obrigado por me escolher como pai! Eu te amo!
Esta publicação é dedicada aos amigos: Omar Neder, Gilson Ribeiro e Juliete Vasconcelos)
A cereja se apoiava no fundo do copo
vazio. Espetada estava por um palito de dente. Imóvel. A cena, sobre a mesa,
ainda trazia um guardanapo manchado de batom e rabiscado com uma frase perdida:
Vamos?
Fim de noite ou começo da manhã,
qualquer tempo que separe esses limites. Um último olhar para a limpeza por
fazer. Mas isso será quando voltar, descansado. Agora vai fechar a porta e ir
embora.
Intacto ficou tudo, enquanto o eco do
fechar a porta percorreu os espaços.
No escuro, a Cereja se cansou. Sentia a
dor do palito a lhe penetrar, intrusamente, a carne. Tortura chinesa, agonia.
Tentou, num movimento brusco, a liberdade. Porém o copo, na forma de funil, não
lhe dava muito espaço para ação.
Tentativas inúteis e dor maior.
Chorava...
Chorava...
-
Não chore - disse o Palito com a
voz enroscada.
- Estou presa! Sinto dores! Ajude-me.
- Que posso fazer?
Usando todas as suas forças, como se
naquele momento parisse uma vida, a Cereja se contraiu e expeliu o intruso
Palito do seu interior.
- Não chore – disse o Palito com a voz
ofegante, como se o esforço tivesse sido também dele.
A ferida, ainda aberta e um pouco
dolorida, não tinha mais importância. A sensação da pequena liberdade era boa e
ela quer mais. Era preciso sair do copo.
Uma volta em si mesma e começou a girar.
Mais uma volta, e outra, e outra, e outra, e outra... E foram tantas as voltas
que começou a girar, subindo pelas paredes do Copo. Chegou ao topo, à boca.
Rodava cada vez mais forte. Cada vez mais forte e voou, lançando o Copo para
fora da mesa; ele se quebrou como mais um dos inocentes mortos das tantas
buscas alheias pela liberdade.
Descompromissada, distante do Martini
que lhe lambia o gosto e do Palito que lhe feria o corpo, gozou enfim a
alucinógena liberdade.
Visitou outras mesas. Esbravejou contra
outros tantos Palitos que levaram à morte outras Cerejas. Inventou hinos e
discursos para as amigas ainda presas em Potes, dopadas de almarasquino.
Afirmou que Copos e Potes não são prisões que se mereça.
Cantou a solitária liberdade!
E se todos fossem livres?
E se as Cerejas não vivessem tão
bêbadas?
E se os Palitos não fossem tão
disciplinados e obedientes para manter a ordem?
E se as Garrafas, os Copos e os Potes
não aceitassem mais prender ninguém?
E se o Sal voltasse para o mar?
E se cada um não tivesse uma obrigação a
cumprir?
Liberdade!
No meio da tarde um eco de porta a se
abrir pausou qualquer inanimado movimento. O garçom chegou mais cedo.
Ele foi à cozinha. Pegou um pano, uma bandeja,
um balde, o rodo e começou a limpar.
O copo quebrado foi para o lixo, sem
mesmo um enterro digno. Mesmo destino tiveram os palitos quebrados, sujos e
mordidos, e os guardanapos espalhados. Os copos inteiros foram para a pia.
A cereja que encontrou perdida numa mesa
foi para o pote, junto com as outras que estavam, em silêncio, embebidas.
A música e a noite trouxeram as pessoas
e os pedidos.
Alguém pediu um Martini.
Um palito qualquer, sem escolher ou ser
escolhido, feriu a cereja que ainda sentia as dores das feridas feitas por um
outro desconhecido palito.
Esquecimento das frutas. Esquecimento da carne. E o pior, o
esquecimento da cerveja. Talvez ainda seja possível lembrar onde está perdido
um vinho. Em algum lugar sei que está. Lembro de guardá-lo, mas onde?
O mercado fechou cedo. A padaria, se não me falha a memória,
parecia lotada. Pão, queijo e cerveja. A futura noite estará salva! Mas voltar
à rua?
O corpo entregue, torto no sofá. A alma perdida.
Nada disso era assim. Ou teria sido tudo ilusão? Eu me lembro,
era real. Era real? As casas abertas para quem quisesse entrar, as pessoas
dispersas, conversas, as ruas sem carros, futebol com o pai, cervejas em copos
de vidro. Suco, não. Refrigerante. Batatas, bacalhau, carne assada. A
champagne, que as pessoas “corretas” transformaram em sidra ou espumante,
ficava reservada para depois da meia-noite. Havia quem ia à missa. A missa que
acabava tarde. Presentes, presépios, bons protestos. Promessas só no ano novo.
Até que horas a padaria ficará aberta?
Entregue.
A alma torta se traduz no corpo no sofá.
Esse calor! Quem foi que inventou o sol?
As pessoas estavam tão chatas hoje. Tantos abraços forçados e,
ainda assim, não eram nem a metade dos beijos indesejados. Tanto sorriso, tudo
tão amável que se tornou desumano. Que saco!
Prefiro a frieza sincera. Intimidades apenas com os íntimos.
Gosto do fingir não ver, o esquecimento do que se acabou de escutar. Tantas
gargalhadas na rua. Acho que só eu estou
com o humor mau. Deve ser o calor.
Melhor buscar a cerveja. A padaria talvez feche. Nem me
lembrei que tudo acaba mais cedo uma semana antes do ano acabar.
O sofá suporta tanto o torto do meu corpo como a morta da
minha alma.
Onde estará o vinho? Mentalmente, olhos fechados, vasculho
gavetas e portas, armários e guarda-coisas. Nada! Onde estará o vinho.
Acho melhor descer e comprar a cerveja... Se ainda houvesse
companhia para me fazer esse favor, essa gentileza... Se eu tivesse pensado
antes... Eu sei ser gentil. Apenas não sei receber gentilezas. Sinto que fico
devendo favor. Acho que é por isso que os meus relacionamentos não vingam. Se
você não sabe fazer seus relacionamentos vingarem, a vida se vinga. Droga de
solidão!
Mas com um calor desses... qualquer proximidade de outro ser é
indesejada. Viva a solidão!
Acho que é o sofá que entorta o meu corpo. Minha alma respira
por aparelhos. Quem dera respirasse por ventiladores...
O Diabo inventou o calor e as festas de natal. Quer vencer seu
inimigo depois de perder a batalha? Faça isso: Elogie, aplauda, comemore a vitória
dele. Despreze sua derrota. Embriague o vitorioso com a sua conquista. Esvazie
esse momento de glória do seu opositor tornando-a uma mentira consumista
oportunista. Se o nascimento de Cristo foi uma vitória de Deus, o Diabo
inventou o consumo natalino, e o calor. Desmoralizando sua própria derrota, o
Diabo venceu o inocente Deus.
Minha alma está em coma. O meu corpo tanto faz como está.
Preciso vender este sofá.
A última vez que vi aquele vinho foi quando esqueci de comprar
cerveja e fiquei com preguiça de ir à padaria.
Há pessoas que não vejo faz tempo. A vida tem tantos ciclos...
cada ciclo, seus palhaços. Alguns não vejo porquê não sei; os outros também não
sei. Mas são não saberes diferentes, consegue me entender? Eu deveria ter
fugido com o Circo, qualquer Circo. Hoje eu seria trapezista, malabarista,
palhaço, ou, quem sabe, trabalharia na bilheteria. Um tempo em cada canto. Cada
canto com seu tempo. Quantos tempos há num canto? Viveria me buscando e me
fugindo. Fugiria sempre do calor, desse sol sem sentido.
Minha alma precisa estar torta, como esse sofá, para saber se
encaixar nesse meu corpo torto.
O vinho perdido, agora me lembro, estava dentro da virgem mala
de viagem. Foi encontrado um tempo atrás e, que droga!, foi bebido gelado como
se fosse cerveja. Não há mais vinho algum. Não há cerveja. Melhor sair antes da
padaria fechar, se é que ainda não fechou. Preciso sair agora. Caso contrário
estarei com a minha lucidez intacta quando os fogos anunciarem o Natal.
Sobriedade é tudo que não preciso.
Insanidade e um ar-condicionado já!
A embriaguez é divina. Tudo que nos alucina vem de Deus. É
verdade! Deus não é deste mundo. O delírio, assim como a morte, nos tira desse
mundo. Delirantes encontramos Deus. Viva a insensatez!
Acho que estou mesmo no inferno.
Calor!
Calor e sobriedade!
Calor, sobriedade e lembranças!
O inferno está aqui!
Se eu tivesse coragem...
Se eu tivesse coragem...
Se eu fosse corajoso pela, talvez, derradeira vez endireitaria
meu corpo, reanimaria minha alma, sairia deste sofá e finalmente compraria a
cerveja.
Que tolo! Isso não é questão de coragem.
Coragem eu tenho até de sobra. Já enfrentei a gerente do banco
que era minha sogra, lembra? Eu me lembro. Coragem? Coragem eu tenho!
O que me atrapalha é esse calor e essa danada preguiça.
Entregue aos pensamentos tortos que rondam a alma, o corpo e
sofá.
Sem vinho, sem cerveja, sem sequer um guaraná. Será uma
terrível noite sóbria de Natal.
CORAÇÕES VALENTES: De tão emocionante, de tão recompensador , que se fez um fato, no lançamento do livro escrito pelo biógrafo Toninho Vaz, " O FABULOSO ZÉ RODRIX", pensei em deixar para contar num outro momento, hora outra. Não deu. Não vou conseguir dormir, senão neste momento contá-lo. Mesmo cansado da volta para meu ninho, da estrada, de volta para casa na madrugada. Voltarei sempre. Mas por por favor, aqui declaro, que lances como esse me fazem manter uma grande resistência, pela dignidade das nossas vidas, que vendo os noticiários de agora, parece ter sido perdida.
Facebook Gilson Ribeiro
Tentando resumir: ele mesmo, até gostaria, tem toda a liberdade e o direito de contar melhor. Mas em linhas gerais, já escrevi isso aqui, que não por esnobismo, mas recebo e estão lá, inúmeras solicitações de "amizade". Vejo quantos amigos em comum, o estilo, vou na página, pesquiso e decido.Confesso, que muitas vezes, aceito, digamos de moças bonitas, que noto um mínimo de cabedal, além das qualitativas amostras de anatomia. Mas sei, com o tempo, vão desistir de me ler, e eu tampouco me farei interessado nas suas postagens. Vai ficar ali, num buraco digital do mundo paralelo da rede social. SEGUINTE: não me lembro exatamente, um rapaz, um cara, chamado Dorival Cardoso Valente, se fez na minha lista de amizade. Notei que sempre se fez, com educação epertinência, assíduo das minhas escritas. Mesmo se fazendo admirador, salvo os meus doidos amigos que já me conhecem, e se fazem aliados, mais por amizade e cumplicidade, pensei ...esse cara....
Facebook Gilson Ribeiro
não sei...será que me lendo não vai mais perder, do que se enriquecer intelectualmente? E lá indo meu trenzinho caipira, na noite ou madrugada, da última sexta para o sábado recém finado, conversamos pelo Messenger. Ele escreveu que gostaria muito de mandar seu livro, edição autoral e artesanal, para que eu lesse e desse minha opinião. Confesso, que ao longo da vida, antes mesmo da rede social, normalmente lances como esse ou similares, na sua maioria, sempre me deixaram muito constrangido. Quando me fazia repórter esportivo, em treinos e cartas e cartas, pais pedindo para que me atentasse ao talento dos seus pimpolhos, e que desse uma força, os colocasse num grande clube. Tentando, ao máximo me fazer educado quando ao vivo- confesso que as tantas cartas não respondia- que não tinha essa influência e
não era empresário. Notava que não os convencia e sentia que ali saíam com seus garotos me achando um escroto.
Facebook Gilson Ribeiro
O menino, certamente, hoje feito ou desfeito, na ingenuidade infantil, movido pelos exageros paternos, deva hoje me odiar. Talvez poderia estar rico hoje, ter descoberto, não diria um Neymar, mas um David Luiz...kkkk..E aqui terminando o alinhavar, escrevi no particular para o Valente: " cara, não por desconfiar, notei que você é um cara íntegro e legal, mas vou sugerir, antes de te mandar meu endereço para você enviar seu livro, que tal me levar em mãos, estarei no lançamento na livraria Cultura, de um uma biografia do Zé Rodrix, escrita pelo Toninho Vaz. Ele me respondeu agradecido, me confessando, salvo engano, que era funcionário do Metrô, que iria trabalhar da noite do sábado até a manhã deste domingo, mas iria fazer força. Minha intenção era até apresentá-lo para alguns amigos. De início minha intenção era dormir em São Paulo, ir bebemorar com a turma seleta, mas lembrei que meu apartamento está emprestado,
momentaneamente, e não queria ficar em hotel, pelos custos inclusive. Rs.
Pois, na pressa, tinha que retornar para São José. Aí ...pegando a dedicatória do Toninho Vaz, ao lado o cantor Nazi, nos falamos e ele perguntou do meu irmão Gilvan Ribeiro, eu dizendo que não sabia, o Gilvan está também numa grande correria, olho na fila e reconheço, só o via pela foto do Facebook, o escritor e artesão da literatura Dorival Valente.
Eu: ” É você?"...." Sim, sou eu! " . Fui abraça-lo. Ele me deu um envelope. Nele seu miúdo livro de contos que aqui demonstro na foto. E ainda fez, de maneira artesanal, uma edição especial, personalizada pra mim. Sem me atentar direito, muita gente, o abracei, beijei a mão da sua esposa que o acompanhava, pedi desculpas por não poder dar a atenção merecida, ele me respondeu que também tinha que correr para trabalhar e me agradece. Eu aqui cravo: pensei Dorival, juro, e se ler e achar uma bosta? Depois disso, mesmo no particular, teria que ter muitos cuidados, para não ser grosseiro. Qual nada, seu porra! Li primeiro do que o livro do Toninho, na viagem! Gostei demais. Com calma, vou reler. E se você me permitir, para provar, em algumas postagens, quero pincelar algumas das suas linhas, com o devido crédito, evidente! Muitos me cobram de não escrever o meu livro...rs...deixa isso prá agora...rs...você ...mesmo de forma artesanal escreveu o seu...artesaodaliteratura.blogspot. com.br.....e na sequência darei dicas mais.
Facebook Gilson Ribeiro
Facebook Gilson Ribeiro
Facebook Gilson Ribeiro
Parabéns rapaz! Viva isso! Que lindo! E aí eu digo: o lançamento da biografia do Zé Rodrix, foi tão alto astral, que até isso aconteceu comigo! Sacou Toninho? Viste, Guarabyra Nery Guarabyra? Viva a vida. Na fé. Até. (EMOCIONANTE TEXTO DE GILSON RIBEIRO OLIVEIRA - Obrigado!)
Se a morte fosse
simples como tomar um comprimido...
Mas não é. Morrer
é difícil! Leva tempo, uma vida toda.
A morte ideal não seria
numa manhã, ou numa noite.
Seria de tarde, uma
bela e morena tardezinha. Depois do almoço, depois do café, depois das notícias
do dia, depois do calor, depois da vista se cansar da paisagem, depois das
fofocas das vizinhas, depois do barulho, depois da chuva, depois da roupa
secar, depois do gato Saramago espiar, depois do doce, depois do brigadeiro de
chocolate (diet), depois de me descuidar, depois de sair da rotina, depois de
fazer as pazes com o Amor de Índio, depois de deixar de besteira, depois da
dor, depois do sonho esquecido, depois de esquecer de apagar, depois de criar
nova dívida, depois de pensar nos filhos, depois de lembrar dos amigos, depois
de um romance, depois de escrito, depois de um conto, depois da poesia, depois
das estrofe, depois do verso, depois da rima perdida, depois de um versículo,
depois de um prostíbulo, depois de um cálculo impreciso, depois de deixar para
depois, depois de um desejo, depois de um medo, depois de um modo, depois de um
receio, depois de uma viagem, depois de mais um imã turístico, depois de um
passeio de trem, depois da fumaça, depois da estrada, depois de voar, depois de
caminhar, depois de rodar, depois da ciranda cirandar, depois de cansar, depois
da necessidade, depois de qualquer certa idade, depois da adversidade, depois
da separação, depois da reunião, depois da re-união, depois do mal, depois da
solidão, depois da certeza, depois da avareza, depois do medo, depois do MEDO,
depois do me-do, depois do m e d o, depois de todas as formas de Temer, depois
do asfalto, depois do cimento lógico, depois do cinza, depois da derrota,
depois do título, depois da vitória, depois da insignificância, depois do
signo, depois do sintagma, depois do paradigma, depois da borracha, depois da
palavra, depois da liberdade, depois de Mário de Andrade, depois de Aníbal
Machado, depois de Dalton Trevisan, depois de Clarice Lispector, depois de
Elis, depois do que eu fiz, depois da aula, depois da mente sana, depois do
corpore insano, depois de um bando, depois de um palco, depois do talco, depois
do balanço, depois do trapézio, depois do palhaço, depois de malabareado, depois
do picadeiro, depois do retrato, depois do circo inteiro, depois do imposto,
depois do permitido, depois do oprimido, depois do Anjo, depois da Santa,
depois do proibido, depois da liberdade, depois dos receios, depois dos seios,
depois do corpo inteiro, depois do sexo sem nexo, depois da preguiça, depois da
geringonça, depois do conserto, depois do concerto, depois da sessão, depois da
cessão, depois do direito, depois do direto, depois do incerto, depois do
devaneio, depois de tudo que é querido, depois de tudo que não anseio, depois
de escrito, depois de revisto, depois de rasgar, depois de recomeçar, depois de
terminado o livro, depois dos correios, depois da self, depois do não serve,
depois de gritar, depois do silêncio, SILÊNCIO, depois do respeito, depois da
violência, depois da necessidade de Deus, depois da cidade, depois do camafeu
(quem foi camafeu?), depois da idolatria, depois da indiossincrasia, depois da
magia, depois do pão quente, depois da glória, depois do anonimato, depois do
eu te mato, depois do milagre, depois da medicina, depois da oficina, depois do
dinheiro, depois de chegar, depois de sorrir, depois de avisar a partida,
depois da razão, depois de repetir, depois da razão, depois de ecoar, ar, ar,
depois do ar, depois de não refletir, depois da paixão, depois de deixar de
ser, depois de existir, depois do fim, depois, enfim, depois de mim... ... e, ao menos,
um segundo antes de deixar de amar!
Ela sentiu que o
suspiro foi mais longo, completo e definitivo. Não havia mais ar nos pulmões. A
escuridão era plena. Ainda ouvia algumas vozes. Identificou a Irmã Adelaide
decretando que não adiantava mais nada, o sofrimento acabara. Estava morta!
Então se fez silêncio!
Não sentia mais o corpo. Primeira sensação foi de paz e de dever cumprido.
Agora era esperar a companhia dos anjos e ir para o Senhor.
Uma vida dedicada à
Deus deveria garantir seu lugar no céu. Vivera sem luxo, sem posses, sem
ambições, sem planos pessoais, sem cometer o pecado carnal apesar de todas as
tentações do mundo. Pura e imaculada serviu aos necessitados e aos
descaminhados.
Onde estariam os anjos?
Será que eles não virão? Esqueceram-se dela? Justo dela? Perderam a hora?
A sensação é de não
poder fazer mais nada. Agora era apenas passageira do próprio destino. É justo
ir para o céu, afinal abriu mão dos sonhos, controlou seus arroubos e seus
desejos para este momento: A hora da morte!
Um cético professor de
ciências, no colégio, falou uma vez que essa tal hora da morte só dura quatro
minutos. Nas palavras dele, esse é o tempo que o cérebro resiste sem receber
novas cargas de oxigênio. Tolo! Esse professor estava preso à lógica prosaica,
ao físico, à matéria.
Ela sempre fora um
instrumento nas mãos de Deus. Agora iria para Seus braços...
Isso se os anjos
chegassem a tempo! Por que estariam judiando dela dessa forma? Qual o pecado
que havia cometido? Sempre fez o correto, o certo, o preciso.
Quatro minutos! Seria
esse o tempo no purgatório? Mas dela não há o que julgar. Reservou seu lugar ao
lado de Deus e pagou caro, antecipado e com a própria vida. É a hora da morte e
Ele sabe tudo.
Houve falhas, claro!
Não postulava santidade. Houve aquele menino na adolescência. Os beijos, a
permissão dos seios, a mão curiosa, o medo e o desejo confundindo a fé. Mas a
vocação foi soberana e isso que é importante. Houve recaídas, desejos de sexo,
solidão das mãos. Culpas já penitenciadas. Está sem dívidas divinas. Já foi paga
também a soberba de se achar mais capaz que a madre superiora, aquela incapaz
da Irmã Elsa.
Cadê os anjos? Será que
seria ela a incumbida de por ordem no céu? Se for assim determinará que os
anjos se apresentem às almas libertas e justas já no primeiro minuto da morte.
E se eles não vierem?
E se eles não
existirem?
E se forem apenas os
quatro minutos de oxigênio no cérebro e nada mais? A ciência cética sem anjos,
sem céu, sem Deus?
Será que Deus não
existe?
Será que Deus não
existe?
Como gostaria de poder
gritar, de ter uma última resposta...
Cadê a droga desses
anjos? Será que Deus não existe?
Dos quatro minutos
quantos ainda faltam?
Deus?!?!?!?!?!
De que valeram tantas
rezas e tanta paciência? Abandonou a família, os amigos. O Fernando!
Deixou de ter vida.
Abriu mão de marido e filhos. O pior, permaneceu virgem. Virgem! Ah, como teria
sido sentir os plenos prazeres do sexo? Deus, teria sido bom!
Sentia agora
inveja das prostitutas que sempre auxiliou, condenou, criticou e... o que é
pior... invejou. Algumas para provocar lhe contavam detalhes como se ela fosse
uma delas e depois choravam pedindo perdão.
Quem perdoava não era
ela. Era Deus através da consciência e das palavras do Padre Amaro, que sabia
toda sua vida e seus pensamentos imaturos, impróprios, impuros.
Todos os sonhos, todos os desejos, todas as
delícias. Tudo, tudo, tudo... Se ainda houvesse ar nos pulmões gargalharia alto
para o mundo ouvir e choraria bem baixinho, quase sussurrando, só para ela
mesma. Choraria todos os arrependimentos de uma vida perdida. Mas os pulmões
estão secos e o sangue já não circula. Resta um nada de pensamento, uma
Ave-Maria agora e na hora de nossa morte, amém!