segunda-feira, 16 de dezembro de 2019

GAROA - Dorival Cardoso Valente


Quando se encontraram, na Rua do Sem Querer, ela não era mais menina, ele não envelhecera tanto. Os corpos trazem histórias diferentes da alma.
O que terá sido?
O que teria sido?
Perguntas que não se fazem sozinhas, mas se adivinha.
O trivial contar dos dias, das vitórias, de uma ou outra batalha perdida.
Os ouvidos ouvem. A boca responde. Mas os olhos...
Os olhos não buscam palavras, não precisam delas.
As mãos buscam a bolsa, o bolso. Controlam os braços.
A ponta do pé esquerdo dele chuta o chão. O pé direito finca-se no solo como um esporão. Não vai nem vem.
O pé direito dela apaga o inexistente cigarro e seu calcanhar circula como uma brincadeira infantil. O pé esquerdo finca-se como um esporão no solo. Não vai nem vem.
Os pêlos eletrizados.
O coração, quem diria?, acelerado.
A respiração ritmada.
As consciências prejudicadas, um pouco afetadas, ainda controlam a exposição dos desejos.
O tempo mudou.
Uma garoa. 
Coisa pouca. 
Umas gotas mal caídas do céu dispersam o encanto para suas opostas direções e encerram a história.
Uma garoa.
Coisa pouca.
Umas gotas mal caídas do céu.
FIM




segunda-feira, 9 de dezembro de 2019

LIBERDADE DE IMPRENSA (nenhuma novidade)- Dorival Valente



Capela de São Miguel Aracnjo - SP
Em 1988 trabalhei em uma agência bancária em São Miguel Paulista (cidade de São Paulo). Havia um jornalzinho interno, editado por um funcionário antigo do lugar.
Um pouco depois da minha chegada esse funcionário saiu. Eu não sei como a responsável pela agência sabia que eu gostava de escrever. Fui convidado para assumir a redação do tal jornal. Aceitei acreditando que teria liberdade para escrever.
Minha primeira matéria foi sobre o aumento das mensalidades das escolas particulares. Muitos funcionários, na tentativa de criar mais oportunidades para seus filhos, eram clientes dessas instituições educacionais.
Acreditando que o jornalismo se baseia em isenção de opinião e demonstração de vários pontos de vista (nunca fui jornalista, nem estudei jornalismo, era apenas um amante dessa arte), montei um texto que demonstrava os problemas que o aumento causaria, como também a necessidade das escolas manterem seus bons professores e sua boa estrutura. Tentei não deixar transparecer minha opinião, apenas queria distribuir elementos para discussão. É claro que havia outras matérias sobre aniversários e casos engraçados e corriqueiros da agência.
O texto foi elogiado pela moça que me convidou. Antes de imprimir, porém, era necessária a aprovação do gerente da agência... Algumas escolas particulares eram correntistas daquela agência... 
As vezes que perguntei sobre a a aprovação recebia como resposta um cara fechada e o silêncio.
Aquela edição não foi impressa e nunca mais (até eu sair do banco) não se falou mais de jornal interno na agência de São Miguel Paulista.
Vivemos (não sei desde quando) uma época de muitos filtros.

Cada um desses filtros elimina o que considera tóxico.
Por quantos filtros passou a notícia que você lê/ouve/vê?
Por quantos filtros passam as suas opiniões?
PS: este texto passou pelos filhos do Artesão da Literatura que quer um maior número de acessos em sua página e uma maior venda de seus livros!