segunda-feira, 17 de julho de 2017

QUATRO MINUTOS (do livro OS PRIMEIROS A CONTAR)

Ela sentiu que o suspiro foi mais longo, completo e definitivo. Não havia mais ar nos pulmões. A escuridão era plena. Ainda ouvia algumas vozes. Identificou a Irmã Adelaide decretando que não adiantava mais nada, o sofrimento acabara. Estava morta!
Então se fez silêncio! Não sentia mais o corpo. Primeira sensação foi de paz e de dever cumprido. Agora era esperar a companhia dos anjos e ir para o Senhor.
Uma vida dedicada à Deus deveria garantir seu lugar no céu. Vivera sem luxo, sem posses, sem ambições, sem planos pessoais, sem cometer o pecado carnal apesar de todas as tentações do mundo. Pura e imaculada serviu aos necessitados e aos descaminhados.
Onde estariam os anjos? Será que eles não virão? Esqueceram-se dela? Justo dela? Perderam a hora?
A sensação é de não poder fazer mais nada. Agora era apenas passageira do próprio destino. É justo ir para o céu, afinal abriu mão dos sonhos, controlou seus arroubos e seus desejos para este momento: A hora da morte!
Um cético professor de ciências, no colégio, falou uma vez que essa tal hora da morte só dura quatro minutos. Nas palavras dele, esse é o tempo que o cérebro resiste sem receber novas cargas de oxigênio. Tolo! Esse professor estava preso à lógica prosaica, ao físico, à matéria.
Ela sempre fora um instrumento nas mãos de Deus. Agora iria para Seus braços...
Isso se os anjos chegassem a tempo! Por que estariam judiando dela dessa forma? Qual o pecado que havia cometido? Sempre fez o correto, o certo, o preciso.
Quatro minutos! Seria esse o tempo no purgatório? Mas dela não há o que julgar. Reservou seu lugar ao lado de Deus e pagou caro, antecipado e com a própria vida. É a hora da morte e Ele sabe tudo.
Houve falhas, claro! Não postulava santidade. Houve aquele menino na adolescência. Os beijos, a permissão dos seios, a mão curiosa, o medo e o desejo confundindo a fé. Mas a vocação foi soberana e isso que é importante. Houve recaídas, desejos de sexo, solidão das mãos. Culpas já penitenciadas. Está sem dívidas divinas. Já foi paga também a soberba de se achar mais capaz que a madre superiora, aquela incapaz da Irmã Elsa.
Cadê os anjos? Será que seria ela a incumbida de por ordem no céu? Se for assim determinará que os anjos se apresentem às almas libertas e justas já no primeiro minuto da morte.
E se eles não vierem?
E se eles não existirem?
E se forem apenas os quatro minutos de oxigênio no cérebro e nada mais? A ciência cética sem anjos, sem céu, sem Deus?
Será que Deus não existe?
Será que Deus não existe?
Como gostaria de poder gritar, de ter uma última resposta...
Cadê a droga desses anjos? Será que Deus não existe?
Dos quatro minutos quantos ainda faltam?
Deus?!?!?!?!?!
De que valeram tantas rezas e tanta paciência? Abandonou a família, os amigos. O Fernando!

Deixou de ter vida. Abriu mão de marido e filhos. O pior, permaneceu virgem. Virgem! Ah, como teria sido sentir os plenos prazeres do sexo? Deus, teria sido bom!
Sentia agora inveja das prostitutas que sempre auxiliou, condenou, criticou e... o que é pior... invejou. Algumas para provocar lhe contavam detalhes como se ela fosse uma delas e depois choravam pedindo perdão.
Quem perdoava não era ela. Era Deus através da consciência e das palavras do Padre Amaro, que sabia toda sua vida e seus pensamentos imaturos, impróprios, impuros.
Definitivamente não há anjos! Não há Deus!
Quantos segundos ainda?
Ódio, inveja, luxúria, gula, egoísmo. Queria tudo agora.
Todos os sonhos, todos os desejos, todas as delícias. Tudo, tudo, tudo... Se ainda houvesse ar nos pulmões gargalharia alto para o mundo ouvir e choraria bem baixinho, quase sussurrando, só para ela mesma. Choraria todos os arrependimentos de uma vida perdida. Mas os pulmões estão secos e o sangue já não circula. Resta um nada de pensamento, uma Ave-Maria agora e na hora de nossa morte, amém!




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