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Viver virou um grande
“fastfood”, um “playground”, um lugar onde estamos apenas para passar um tempo.
Qualquer esforço ganha o apelido de sacrifício. Pensar e imaginar, que eram tão
fáceis e tão simples, agora precisam de
treinamento. Há cursos que pretendem ensinar como ser criativo ou original. E
quem sai desses cursos, creio eu, são criativos e originais do mesmo jeito que
os outros alunos “criativos e originais”. Não sabem tais estudantes que a
criatividade é a diferença. E que as diferenças estão nas falhas, nos erros, na
imperfeição. Nem a fotografia digital é perfeita, mas é permitido que seja
retocada antes que a apresentemos, perfeita, ao público. E nós sempre a
retocamos!
Em 1983, eu voltava da faculdade para casa, dia normal de
semana, já madrugada. O ônibus cortava a cidade, do Oeste para o Leste. Passando
perto do centro, embarcou um bêbado, maltrapilho e falastrão. Perguntou, assim
para quem quisesse responder, onde estávamos. Eu respondi que era no planeta
terra. Ele veio em minha direção. Não me pediu dinheiro, mas sim o jornal que
eu ainda lia. Eu disse (tentando sem conseguir ser engraçado) que era de ontem
(as notícias naquele tempo não eram assim “fast”). Ele me respondeu que não havia
problemas, pois só iria ler aquelas
notícias depois que terminasse as de domingo e as de anteontem. Levou gentilmente
meu velho jornal e me inspirou uma poesia:
Esta poesia faz parte do livro POESIA CRÔNICA |
VAGABUNDO
Eu sou só tão vagabundo
Dono de tudo
Dono do mundo
Que nada tem
No meu jornal emprestado
Sei do passado
O fato do fato
Que tanto faz
Espaço dois outra linha
Outra aspirina
Esqueço do dia
Esqueço da vida
É hora de relaxar.
Não é a lua que manda
Nem o sol que comanda
É a vontade que há!
Sempre que penso em diferença, lembro desse senhor que não
sabia onde estava, ou para onde ia, e pedia leituras e não dinheiro. Ele foi
diferente, criativo e soube se manter vivo em meu pensamento, mesmo após tantos
anos. Nesta época em que os consumos são tão rápidos, acredito, não há muito
espaço para memórias antigas. A maioria das pessoas apenas se lembram dos fatos que viveu porque são avisados pelo
facebook. Até a memória se tornou um produto pronto que não nos pede nenhum esforço,
digo, sacrifício.
Que os futuros robôs não se lembrem de me esquecer!