Este inverno de 30 graus. O trânsito eterno na Avenida do Estado
para cruzar a Tiradentes e pegar, na velocidade de um bicho preguiça, a
Marginal Tietê. Um farol que não abre quase nunca; e quando o faz fecha mais
rápido que a Alemanha fazendo gol quando joga com o Brasil.
Há muitas câmeras no trânsito de São Paulo. Prontas para
punir os motoristas infratores. Espirrou ou segurou o espirro, sem querer pisou
um pouco mais, saiu dos 40 por hora, multa. Há muitos olhos atentos tornando
ainda mais neurótica a rotina de quem não quer ficar mais de 30 minutos, sob o
sol ardente, esperando um ônibus, ou ser espremido nos vagões que deslizam e
param umas vezes antes de chegar na próxima estação.
A mesma câmera que é utilizada para multar poderia visualiza
também, entre os carros parados, os vendedores de tudo, os limpadores não
solicitados de para brisas, os pedintes,
os assaltantes e tantos mais que não permitem a sua solidão enquanto espera o
farol abrir.
Por que, pergunta este escritor, essas imagens não são também utilizadas para
a segurança pública? Por que não se
presta atenção às desordens e às situações incomuns? Por que não se comunica a
polícia sobre qualquer irregularidade?
Eu imaginei uma cena...
Na sala de observação da CET.
Dois funcionários observam a mesma imagem de uma câmera
enquanto são observados por um estagiário.
Funcionário 1= F1
Funcionário 2 = F2
Estagiário = E
Moça do café = MC
F1 – Olha aquilo!
F2 – Que absurdo!
E – Vocês falam daquele primeiro carro da faixa da esquerda?
F1 – Isso mesmo.
F2 – Viu que absurdo?
E – Ele está sendo roubado.
F1 – Quem está sendo roubado?
E – O primeiro carro da faixa da esquerda.
F2 – Isso eu não sei.
E – Mas do que vocês estão falando, então?
F1 – Ele estava com o celular na mão.
F2 – Parado no farol com o celular na mão.
E – De quem vocês estão falando?
F2 – Do primeiro carro da faixa da esquerda.
E – Mas o celular estava no bolso dele. Ele só pegou para
entregar ao ladrão.
F1 – Então, celular na mão.
F2 – Motorista só pode pegar o celular se estiver
estacionado.
F1 – E ele não estava estacionado. Estava parado no farol.
F2 – Parado no farol não é estacionado. Não poderia estar
com o celular na mão.
E – MAS FOI UM ASSALTO, PORRA!
F1 – Você gritou conosco, estagiário?
F2 – Acho que sim.
E – Perdão! Não coloquem na ficha, por favor.
F1 – Vou pensar.
E – Mas ele, senhores, foi assaltado.
F2 – Vamos anotar a placa.
F1 – DCV...
E – Essa não é a placa da moto, é do carro.
F1 – Isso mesmo. Vamos anotar a placa e multá-lo.
F2 – Ele estava com o celular na mão.
E – Mas, e a moto?
F1 – Ela também cometeu infração?
F2 – Passou o farol vermelho?
E – Não. Depois de assaltar o motorista o farol abriu e a
moto fugiu.
F1 – Então? Ele é uma pessoa que sabe seguir as regras de
trânsito.
F2 – Já o motorista do carro...
E – Vocês não leram, no site do Artesão da Literatura, o
texto do Dourovale falando sobre usar as câmeras de trânsito também para
segurança pública?
F1 – Eu li. Acompanho tudo o que ele escreve.
F2 – Eu tenho todos os livros dele. Vem com dedicatória pra
lá de especial.
F1 – Eu presenteei minha esposa com a edição para presente.
Veio com um laço impresso e o nome dela na capa. Dentro ele encadernou junto
com o livro uma foto nossa e uma mensagem que eu bolei para emocionar a
Ritinha.
F2 – Mensagem que você bolou? Aposto que pediu para ele
escrever...
F1 – Que nada foi eu quem escreveu aquilo.
E – Perai, gente! Nós não vamos avisar a polícia do assalto.
F2 – Isso não é problema nosso.
F1 – A polícia se quiser que coloque as câmeras dela.
F2 – E sabe quando a polícia vai fazer isso?
F1 – Estagiário aprende uma coisa. Para que um governo,
qualquer governo, vai gastar tanto dinheiro com equipamentos, como essas
câmeras para multar, se não tiver um retorno financeiro.
E – Retorno financeiro?
F2 – As multas.
E – Entendi.
F1 – Gastar dinheiro com segurança vai trazer o que para o
Governo?
E – Uma vida mais tranquila para o povo?
F2 – E desde quando Governo se preocupa com o bem estar do
povo?
A moça do café não participou da história porque o ônibus
dela não passou.