Já choveu forte à
tarde. Agora que a noite reina, há alguma garoa. Talvez num futuro de minutos
caia chuva. A mulher de roupa escura entra na Igreja do Carmo para participar
um pouco da vigília. Mesmo que queriam que ela passe a noite lá, irá embora lá
pelas 23.
Quando sai às ruas
estão vazias. A lanchonete, que fica aberta a noite toda, fechou. Nem os
pedintes, nem a polícia, nem gente com pressa, nem ninguém pra dar medo ou
segurança. Talvez o pessoal do metrô esteja trabalhando... mas estão sob o
asfalto e não é possível vê-los da rua. A drogaria aberta, mas a caixa não é a
de toda noite e ela está distraída com um fone de ouvido. A Paulista não está
longe, mesmo assim não se ouvem os barulhos de lá. Um carro eventual faz o
agradável barulho dos pneus se espremendo no asfalto molhado.
Prédio sem porteiro.
Os vizinhos devem ter saído. A porta precisa de umas gotas de óleo. A luz ainda
é amarela. O sapato é macio e não machuca o fino carpete de madeira. Optou por
deixar a televisão desligada. Conferiu a bateria do celular. Verificou se o
telefone fixo tem linha. Não pensou em ligar pra nenhuma amiga. Todas estão na
vigília ou em casa com a família. Recusou os convites de passar o ano com uma
família emprestada. Estava bem assim!
Olhou tudo em volta.
Lembrou da sala cheia, dos filhos brincando, do marido bravo e ausente, da sogra,
do sogro, da irmã e o cunhado, os sobrinhos que bagunçavam com os filhos.
Lembrou de rabanada, de carne assada, da semana de preparativos, do molho com
vinho...
Deixou de bobagem e
foi pro banho. O corpo envelhecido já vira muitos dias 31 de dezembro se
transformarem em primeiro de janeiro. Acha que já fora feliz!
A camisola não é
nova, não há motivo para novidades. Reviveu os pijamas da infância, as roupas
novas pra mudança do ano, as bolachas feitas em casa, Pai, Mãe, Avós, primos e
irmãos e irmã, as brincadeiras, o respeito com os mais velhos. Sabia que antes
ninguém ficava sozinho tendo família. Era respeito, compaixão. Era saber em
quem se podia confiar. Era valorizar as pessoas pelo que já haviam feito.
Sentou-se à mesa.
Duas frutas que gosta muito. Comeu devagar. Ouviu os fogos da Paulista. Pensou,
meio vazia, que o ano era novo.
Conferiu a bateria do
celular. Verificou se o telefone fixo tem linha. Tudo em ordem.
Foi dormir.
Parece que ouvia o
filho pedir pra dormir com ela. Ele tinha medo e ninguém poderia saber.
Parece que sentia a
filha lhe pedir pra fazer cachinhos quando acordarem e era pra ela não
esquecer.
Acendeu a luz. Pensou
ter ouvido o telefone tocar.
Silêncio!
Dormiu.
Acordou cedo e sem
pressa pra um dia sem ter aonde ir. Nem sinal de vida dos filhos, nem pra saber
se ela ainda está viva. Ela não sabe que a “mais valia” não é só coisa de
economia. Na consciência de hoje, somos enquanto valemos. Quando não mais nos
precisam... (melhor nem dizer). Se algum dia precisarem de algo, eles ligam.
Ela está viva e assim
será por muito tempo, eu sei.
O resto do ano já
sabe como fazer, como ocupar o tempo e o pensamento. Mas essa coisa de fim de
ano... puxa, isso chateia a gente!
Terceira idade
ResponderExcluirFim? Enfim...
Solidão não é lá tão ruim.
Terceira idade
ResponderExcluirFim? Enfim...
Solidão não é lá tão ruim.
Não. Muitas vezes a solidão é produtiva. Depende de nós (apenas de nós).
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